2004-02-14
14.02.2004
A propósito
"Porto, 22/11/44
Mécia
Escrevo-lhe agora, porque, uma vez que estou a terminar o curso e que serei chamado para a tropa, sem que saiba aonde irei parar, pode acontecer que esta oportunidade seja a última. Evidentemente: passado tanto tempo, e tantas outras oportunidades passadas também, é bem natural uma delas ter sido essa última, e eu aparecer-lhe inútil e extemporaneamente. Embora um silêncio longo e um esquecimento aparente sejam um desmentido; embora a vida me tenha podido tomar por mais alguma coisa um simples e amigável interesse – não queria deixar de dizer-lhe que vi sempre em si a pessoa procurada para nela se confiar e viver. Ter-me-ia enganado ? Estarei eu a enganá-la também? Não sei , e creio que a Mécia o pode saber melhor do que eu.
Não lhe faço juramentos nem digo outras coisas do costume, porque, precisamente, aí estão as palavras que sempre temi dizer: apenas lhe quero mostrar quanto a estimo, e quanto suponho poder vir a estimá-la. Parece-me isto bem mais importante; e está nas nossas mãos o dar-lhe a importância que quisermos.
Se é possível pensarmos nisso; se me enganei; se cheguei atrasado... – só a Mécia poderá responder. E essa resposta lhe peço. Escrever-me-á, então a dizer de si própria; e se quiser, dirá, também, onde e quando a verei.
De qualquer modo, creia sempre no
Jorge de Sena
R.Miguel Bombarda, 243
Porto"
Eis uma carta de amor que não é ridícula.
A propósito
"Porto, 22/11/44
Mécia
Escrevo-lhe agora, porque, uma vez que estou a terminar o curso e que serei chamado para a tropa, sem que saiba aonde irei parar, pode acontecer que esta oportunidade seja a última. Evidentemente: passado tanto tempo, e tantas outras oportunidades passadas também, é bem natural uma delas ter sido essa última, e eu aparecer-lhe inútil e extemporaneamente. Embora um silêncio longo e um esquecimento aparente sejam um desmentido; embora a vida me tenha podido tomar por mais alguma coisa um simples e amigável interesse – não queria deixar de dizer-lhe que vi sempre em si a pessoa procurada para nela se confiar e viver. Ter-me-ia enganado ? Estarei eu a enganá-la também? Não sei , e creio que a Mécia o pode saber melhor do que eu.
Não lhe faço juramentos nem digo outras coisas do costume, porque, precisamente, aí estão as palavras que sempre temi dizer: apenas lhe quero mostrar quanto a estimo, e quanto suponho poder vir a estimá-la. Parece-me isto bem mais importante; e está nas nossas mãos o dar-lhe a importância que quisermos.
Se é possível pensarmos nisso; se me enganei; se cheguei atrasado... – só a Mécia poderá responder. E essa resposta lhe peço. Escrever-me-á, então a dizer de si própria; e se quiser, dirá, também, onde e quando a verei.
De qualquer modo, creia sempre no
Jorge de Sena
R.Miguel Bombarda, 243
Porto"
Eis uma carta de amor que não é ridícula.
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