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2005-01-13

Seria bruxo?


Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e estes, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda duma lotaria.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, a-pesar-disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)


Guerra Junqueiro, in "Pátria"

Enviado pelo Costa.
Confesso que nada li até hoje de Guerra Junqueiro, tenho apenas uma impressão, porventura errada, recolhida nalgum apontamento lido por aí, de uma personagem de segunda linha da literatura portuguesa. Tenho no entanto feito um esforço por me redimir do desdém com que na adolescência, essencialmente votada à cultura anglo-saxónica que nos era, e ainda é, imposta como norma pelos média, tratei os autores portugueses não contemporâneos.

Breves referências encontradas na rede:

Talvez o poeta mais popular da sua época, embora hoje se lhe reconheçam contradições e efeitos fáceis

Ao lado do franco-atirador caminha o Poeta, com a mais fina sensibilidade e docilidade.



http://www.arqnet.pt/dicionario/guerrajunqueiro.html

Pela amostra, más linguas, diriam que hoje se estivesse entre nós Guerra Junqueiro concorreria às eleições de 20 de Fevereiro próximo pelas listas do Bloco !!

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