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2005-12-03

Dicas


Um exemplo de camaradagem

Tchecov e Gorky não se corresponderam em vão. Mal se conheceram epistolarmente, o primeiro, escritor mais velho, experiente e disciplinado que o autor de A Mãe, não poupou a este os comentários que, com didáctica franqueza, lhe ocorreram sobre a obra, então incipiente, de Alexei Maximovitch Pechcov (<

«Começo por lhe dizer que, na minha opinião, você não tem contenção, que é como
o espectador no teatro que exprime o seu entusiasmo com tão pouca moderação que
impede aos outros e a si próprio o ouvir. Esta falta de contenção faz-se sentir,
sobretudo, nas descrições da natureza, que você corta com diálogos. Quando se
lêem tais descrições, apetece que elas sejam mais condensadas, mais curtas, duas
ou três linhas.» - Carta de 3-XII-I898


«O seu único defeito é a falta de contenção, a falta de graça. A graça é quando
um homem gasta o menor número possível de movimentos para uma acção precisa.
Mas, no seu malbaratar de gestos, sente-se o excesso. As descrições da natureza
são artísticas: você é um verdadeiro paisagista.O que se nota é uma frequente
assimilação ao homem (antropomorfismo), quando o mar respira, o céu olha, a
estepe se empertiga, etc. Tais assimilações tornam as descrições um pouco
monótonas, por vezes melosas, por vezes confusas. O pitoresco e a eloquência nas
descrições só se conseguem através da simplicidade, com frases tão simples como
«o sol pôs-se», «a noite chegou», «a chuva começou a cair».- Carta de 2-I-I899


«Você tem tantas palavras qualificativas que a atenção do leitor só penosamente
com elas se identifica e acaba por fatigar-se. Quando escrevo: "O homem
sentou-se na relva" a minha frase é fácil de compreender, porque é clara e não
retém a atenção. A minha frase, pelo contrário, será difícil de compreender, e
bastante pesada, se eu escrever: "Um homem corpulento, estreito de ombros e de
estatura meã, de barba ruiva, sentou-se na verde relva, já muito pisada por quem
por ali passara, sentou-se silenciosamente, circunvagando olhares tímidos e
amedrontados." Isto não entra logo na cabeça e a literatura deve penetrar nela
imediatamente, num ápice.» - Carta de 3-IX-I899


Quando porão em prática os escritores portugueses os eternos desavindos - uma camaradagem assim? Tudo leva a crer que ela é, mais do que nunca, urgente.

Alexandre O´Neill
In Luta, 8 Abril 1976.
(Coração acordeão -Ed. O Independente)






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